Etnografia no UX
A etnografia, por definição a observação, abstração e descrição da cultura material, práticas, simbolismos e economia de um povo ou grupo, tem ganhado espaço no mercado de pesquisa em UX por simbolizar o trabalho de campo e síntese das ideias captadas a partir de comportamentos não-verbais dos usuários nas entrevistas. Mas ela vai muito além disso.
A abordagem - ou metodologia - se faz importante uma vez que traz a possibilidade de enxergar o sujeito no seu próprio contexto, suas relações sociais, cotidiano, considerando a carga teórica e realizando um exercício de abstração daquela realidade.
Ou seja: uma visão do todo que possivelmente explicará suas motivações e a forma como o pesquisador se comporta frente a diferentes desafios, revelando padrões de comportamento e a influência destes em cada uma das situações. É aí que entra a pesquisa de usuário.
Um breve contexto
Um momento emblemático para a etnografia enquanto consolidação da pesquisa científica antropológica foi a publicação do primeiro estudo propriamente dito, feito por Bronisław Malinowski, que deu origem a novas discussões e levantamento de situações fundamentais e modernas para 1922.
Sua estadia nas Ilhas Trobriand, conjunto de ilhas localizadas na Oceania, para estudar os nativos e mais especificamente o Kula (sistema econômico-social da região), configura-se como a mais famosa investida para o rompimento da clássica Antropologia de Gabinete (naquela época, amontoada de debates teóricos e abstrações frustradas que desconsideravam o empirismo).
Malinowski representou uma verdadeira mudança de paradigmas pois produziu ciência ao imergir em campo, viver com nativos e aprender seu idioma, rituais, economia e particularidades.
Dessa forma, conhecer os aspectos teóricos e ter a oportunidade de confrontá-los com informações do cotidiano das tribos tornou possível a sistematização desta prática, tida hoje como metodologia legítima e significativamente utilizada na pesquisa qualitativa.
Etnografia, então, é sinônimo da captação dos elementos importantes do contexto de um objeto de estudo e a capacidade de sintetizá-los e apresentá-los de modo que traduzam as experiências vivenciadas, possibilitando uma interpretação única daquele contexto.
Mais do que pesquisa de campo
A aproximação crítica característica do método etnográfico é a primeira importante diferença do trabalho de campo comum, necessariamente guiado por escolhas racionais que encaminham a um certo objetivo de pesquisa.
Estar no contexto do interlocutor (o usuário, por exemplo) faz com que se consiga informações diferentes e mais ricas do que simplesmente em uma entrevista, com um tempo delimitado e um roteiro pronto. Dessa forma, a possibilidade de incluir o sujeito como parte atuante do estudo, e não apenas como objeto dele, permite a liberdade de investigar mais aspectos de forma mais profunda, estabelecer novas conexões e perceber diferentes padrões.
A capacidade de abstração também entra em jogo. Relativizar o que o etnógrafo conhece, reconhecendo bagagem cultural e o inevitável choque entre ela e a realidade do sujeito se faz presente em todo o estudo e tem um papel fundamental: uma vez que a neutralidade total é impossível, deve-se observar, mais do que o usuário em seu contexto, a influência de si próprio no estudo - toda informação coletada será uma interpretação, que possibilita gerar insights diversos, evoluindo o trabalho etnográfico.
No mercado de UX, entender com profundidade o usuário estudado, todas as suas nuances e conexões que compõem sua opinião, por exemplo, é importante para estruturar um produto ou serviço que seja ideal para aquele padrão de comportamento.
Etnografia em cinco passos
Mas a coleta de dados na sua forma pura não é nada sem a técnica, sem a abordagem direcionada, sustentada pelos referenciais teóricos, e que ajudarão o pesquisador a decidir o que observar, de que forma perguntar, como interpretar. Por isso, os cinco passos fundamentais para um estudo etnográfico proveitoso são:
1. Contextualização pré-campo: Malinowski se comunicava com os nativos através do inglês pidgin. Mas nem sempre precisava de tudo isso.
É importante que saibamos algumas informações-chave sobre o contexto do usuário, para entendermos padrões de comportamento ou necessidades prévias. Quais são seus hábitos? Sua rotina? O objetivo da pesquisa se relaciona ao dia a dia do usuário? Qual a melhor abordagem?
2. Empirismo e metodologia em equilíbrio: Nem muito teórico que esqueça a prática, nem muito prático que esqueça o teórico.
O trabalho de contextualização e estudo da realidade do usuário será importante para direcionar a abordagem, nem todos os insights dependerão disso. Uma vez imerso no dia a dia do sujeito, a captação das informações de maneira instintiva também será relevante no material final.
3. Tédio como matéria-prima: Colocar-se em uma situação nova, observando tudo e todos.
Uma vez em campo, mesmo com um direcionamento a partir do objetivo de pesquisa, tudo é importante. Dessa forma, a mais sutil movimentação do sujeito poderá significar algo importante uma vez que o cenário completo seja absorvido e o contexto compreendido na sua totalidade.
4. A banalidade será sua melhor amiga: Não existe o óbvio que não vale a pena ser perguntado.
Como pesquisador, em uma realidade distante daquela em que se está imerso, perguntas óbvias são sempre válidas, e fazer com que o sujeito explique suas motivações mais básicas trazem informações que não poderiam ser descobertas apenas no exercício da observação.
5. Mimética como ferramenta prática: Ficamos mais confortáveis quando conversamos com quem se assemelha a nós.
Interagir com um completo estranho que diz que quer estudá-lo é uma situação muitas vezes desconfortável para o usuário. Por isso, familiaridade e conforto são bem-vindos, e interagir com um pesquisador que traz à tona estes sentimentos o motivam a contar mais sobre seu dia a dia e a responder perguntas com mais naturalidade.
Materializando os achados etnográficos
Seja para acompanhar o usuário por um curto período de tempo ou mergulhar no seu contexto por um tempo mais longo,
a etnografia é uma ótima ferramenta para um estudo qualitativo mais aprofundado. Aproximar-se mais do seu objeto
de estudo gera insights que qualificam ainda mais o seu projeto. Assim, da próxima vez que tiver que escolher a metodologia de pesquisa, considere uma abordagem mais próxima do seu objeto, mais rica em informação e mais
empática com o usuário.